14.3.09

a partilha do poema encontrado



a noite

é chegada a grande noite da páscoa. alguns amigos ainda se passeiem na rua
outros
talvez
tenham o privilégio de se encantarem nos braços dos seus amantes.
aqui onde estou corre uma brisa suave com odor a tília.
à minha frente o ecrã luminoso onde
devagar
traços negros respondem à dactilografia agendada do pensamento tornando-se caracteres.
a quem chegarei eu hoje nesta noite?
entre mim e o mundo abre-se um poço de uma mínima distância intransponível.
ainda assim o coração bate...
bate-me
como batia no menino que fui
menino nascido de um ovo cristalino e delicado que um dia se partiu com a violência de uma temerosa tempestade.
agora procuro o que dantes
simplesmente
encontrava:
olhos brilhantes nas pessoas
mãos quentes
sorrisos dourados
azuis.
é chegada a noite da grande páscoa. alguns amigos dormem na rua.
desconhecidos que as minhas mãos não sabem abençoar.
olhando para a imagem de buda à minha frente
relembro já com saudade o jantar sereno com chás de jasmim e tília.
sempre as tílias. minhas companheiras da morte que se aproxima.
e relembro o teu rosto
joão
de quem vive cada nascer do sol como a surpresa salvadora do dia que se aproxima.
e relembro o teu rosto
sílvia
de quem vive cada noite com a doçura celeste e a delicadeza maior dos que serenamente sorriem.
recito uns versos em oração
e o os meus olhos iluminam-se de uma luz antiquíssima:
dro nam dral deu sam pa yi
sangyé tcheu tang guéndeun la
djang tchup nyngpor tchi kyi bar
takpar da ni kyapsu tchi
voz tibetana da minha mais feliz passada juventude:
com o desejo de libertar todos os seres,
no buda, no dharma, e na sangha,
sem cessar e até à perfeita iluminação,
tomarei refugio.

Frederico Mira George

2 comentários:

clarinda disse...

Partilho este poema, uma primeira leitura levou-me a lugares onde nunca irei.

Um dos meus desassossegos. Mas gostei dessa transformação da letra l e r, será mesmo uma simbiose.


Boa semana, fada madrinha.

moriana disse...

No côncavo da mão, estava lá, eu vi. Estendi-o a outros olhos.

Há livros que são desassossegos. Bernardo sabia-o muito bem ;)

bjs,