12.12.08

diários #10


Sobremesa agri-doce, cor azul-gelo. Mão a empurrar a colher, a desmanchar os montículos de gelado na taça. Palavras com sabor a lima lançadas em ambiente acolhedor, não, não, estava tudo excelente, obrigada, palavras cruzadas, acolchoadas em sorrisos, sabes, mais três anos seria o ideal. Os olhos fixos nas vidraças vendo a infância a correr lá fora, debaixo das árvores, que importa se são as da avenida, regressar ao mesmo sítio seria incómodo, não que me importe, mas três anos mais seria o ideal, percebes? Os olhos deixam a infância, fixam-se agora nos olhos do outro lado da mesa, palavras com sabor a lima, comprometem-se. Não gostou, quer outro prato? Tudo excelente, eu é que como pouco, obrigada, sorriso a crescer entre as palavras, olhos presos nas luzes da árvore, bolas vermelhas, irisadas. Linda a árvore, não achas, é a tonalidade vermelha sobre o verde, lembras-te quando…e a infância a correr em passinhos leves, a espreitar outras árvores cheias de chocolates, de brinquedos, tudo a passar nos olhos do outro lado da mesa. O frio já não sabe a lima, a cidade arrefece sob o sol da tarde. Descer a avenida com a promessa armadilhada na infância.






(imagem retirada da net)

4 comentários:

Jaime A. disse...

Eram palavras fixas no tempo;
como a sua infância:
agora não brincava,
fingia que produzia,
que era útil.
Os números poeirentos
as palavras escaldadas
iam afugentando
o espaço à infância,
à memória da infância;
aquele espaço tão útil!
Agora já não pulava
atrás duma bola;
sentava-se a uma mesa de café,
fingindo interesse
em palavras também escaldadas,
tão assépticas que eram.
E suspirava
numa adultez quebrantada,
multicéfala.


Caloteou a vida, então: vazou a mente dos algarismos, dos números, das fórmulas, das letras, das palavras, dos sintagmas, dos textos
e deixou espaço para as memórias de infância entrarem suavemente. Sorriu à sua própria cilada. Agora, os seus passos seriam novos, mas sabia que Peter Pan se orgulharia dele...

clarinda disse...

Bonitos estes encontros à procura de memórias, diálogos como quem respira num dia de inverno e que não terminam na despedida. Mestria na apresentação desse mesmo diálogo.

Beijinhos

moriana disse...

"um almoço nunca é de graça" (David Lodge)...comprovou-se. É pena...

será o sangue um compromisso?

bj.

moriana disse...

Olá, amiga!

Pequenos clarões do quotidiano.
(a árvore, no átrio, é mesmo bonita. Apenas demasiado grande...)

bjs.