10.2.14

gosto das luzes das pequenas lanternas vermelhas, gosto das ramadas espreitando o sol, gosto da fidelidade matinal de quem acompanha a chávena de café, gosto quando Dorian me segue pela rua enroscando-se-me nos passos em manifesto cupboardlove, gosto da capela aninhada na arcaria do aqueduto, gosto, ao final do dia, das sombras das folhas e das pessoas projectadas nas paredes pombalinas que já não tecem a seda, gosto de inalar o fumo do assador de castanhas, gosto do edifício esventrado a ganhar volume...

3 comentários:

J. disse...

gosto que estejas de volta :)

moriana disse...

obrigada :)

Castro L. disse...

É bom gostar de gostar. Entre o viço e o langor, lobrigo o gosto nos espaços entre as palavras. Detenho-me, ocasionalmente, em pormenores, espécie de rendilhados ou desfile de arabescos invisíveis entre elas, num tumulto de candeias ocultas que convocam o infinito que será sempre entre os carateres, ou um trajeto impossível. E, de olhos fechados, permaneço aí, nessa impotência, a olhar para o que resta, para as letras intangíveis que se afastam de mim, para as palavras que desaparecem, imaginando o percurso entre um ponto e um tirete, entre corpos esboçados que emergem do nada, vírgulas soerguidas a espevitar ambiguamente o lastro do mundo em carga sobre a cervical, lajes estreitas equívocas onde, débil, me equilibro como se corresse numa pista, ainda que mais não sejam do que passos em volta de mim. Depois, a comoção embriagada do parágrafo que espreita, sorte de encantamento ao abrir de novo os olhos, onde assomam estradas perfeitas, a alvenaria decrépita do interior de dois muros altos apinhados de musgo e alecrim-das-paredes saudando a vida lá fora, cinema impressivo e fantasmático à borla na liturgia das horas refletido no teor das feições significantes projetadas em fundos variados, quando entre a sesta ou parêntese e o alvoroço e corrupio do trânsito se traçam no céu as nuvens que hão de chorar de alegria à noite, quando, recatado no texto do gosto, tomo o chá de tília reticente, e até à madrugada, altura em que desperto com os cheiros fedorentos da sarjeta ou o gaz do bosque ou o de todos os líquidos rubros derramados nos caniçais para a renovação das flores e as lágrimas inodoras morredouras afundadas no rio, enquanto o dia se há de refazer em léxicos de cabelos vadios ao vento ou perdidos no sabor da viagem bêbeda da multidão caminheira para os lugares do costume. Gosto do frémito do pé anónimo no cimento do quintal, enquanto um salpico do chuvisco que bate no parapeito da porta retumba como o chocalho do vizinho e o pato branco, em volteios, chapinha divertidamente ali no lago. Gosto do gato sonolento na janela que sobeja ao longe. Gosto do eu gosto. E, à vez, tanto são dissecados os corpos como as muralhas, ou buracos escavadas no chão para inumar, como se prédios hirtos estripados fossem depois reclinados, deitados em camas, amortalhados para renascerem outros vogando nas 4 causas. Gosto do mundo em torvelinho, da cidade nervosa devolvida ora numa plácida procissão de letras empoladas ora num clamor vertical de palavras, quando as mãos trémulas rimam com o planger da música do coração ou em travessão com o pingo da torneira avariada, em gestos cálidos, ou então em movimentos empinados hieroglíficos no ar à espera de olhos que os leiam e de mãos quando queria ter uma mão neste inverno entre o calor e o frio. Gosto de que gostes, quando me persigno sem razão, ao espiar-te no gosto dos vocábulos lavrados na interrogação do incenso que alteia os símbolos até mais tarde, e, ao pisar o chão frio do quarto pela manhã, descortino pela vidraça o hífen dormente na placa do sentido proibido desprezada no passeio da alameda. E como é bom gostar, enquanto o baque dos vultos circunflexos e as massas do dia se aprestam para mais uma jorna, que a vida vai sempre, desde o primeiro pranto, de atalaia. Abro agora a chaveta e a janela quando já a luz do dia – até que o sol em espalda bata na torre elevada do sino – vem destilada pelas cortinas de hera de onde vou enxergando algumas palavras, como se acordasse lentamente e na vigília fosse, obnubilado ainda, distinguindo um texto que, aos poucos, se aviva, como uma fotografia instantânea Polaroid, que começa no baço do rabisco e vai até ao encrespado da nitidez máxima, ‘gosto das luzes das pequenas lanternas vermelhas….nos passos em manifesto…das sombras das folhas…’