Há ausentes de todos os feitios. Lembrar os ausentes não é um modo de dizer que estão presentes? E esta presença não é apenas mnésica? Ou, nalguns casos, meramente nostálgica? Quando o coração, em vez de insuflar, encolhe, se é que não definha, e as horas se tornam um fardo, uma lenta passagem que, com a habituação, volvem uma espécie de musculada via de sorver o tempo mentalmente, deixando que nos engula progressivamente para a sua espiral, mortificando-nos o corpo, exasperando todos os sentidos exteriores de antanho, adoentando-os até que feneçam totalmente. É também com uma dose estranha de nostalgia - de lembrança - que compareço aqui, agora, ainda que tenha chegado aos trambolhões, acidentalmente. Erraticamente. Sem regresso nem partida. Apenas para saudar um nome - moriana -, um nome que, aparente e amiudamente, gosta de re(a)presentar-se através de outros. O que é curioso, precisamente, é que só episodica ou pontualmente a passagem das horas pode ser mais lenta, já que de crianças até à condição de velhos dá-se precisamente o processo de percepção inverso: quanto mais tempo de existência, memória mais abrangente, metabolismo mais lento e passagem do tempo a grande velocidade. Claro que 'passagem' é quase um eufemismo, porque objectivamente o tempo é praticamente linear, exceto na subjectividade consoante a época da vida. O coração na cova da mão e a a lentidão lembram apenas casos possíveis, particulares, desta modalidade degradativa ou degenerativa dos seres. O vir à ideia em vez de à memória, ademais com ternura, reflecte apenas uma dimensão, entre muitas, que caracterizam o humano, acultuado e prisioneiro do que se averba em si. Mais dramático é quando os ausentes não voltam nem podem voltar ou quando nós próprios começamos a sentir-nos ausentes de nós mesmos, deixando escapar o que era antes em nós uma presença, uma força, uma satisfação, uma alegria, uma regra de equilíbrio entre o prazer e a dor, que é quando o futuro se desenha fantasmicamente com o sinal das ausências, como o que está em falta mas para continuar, e para ficar, com uma tristeza porventura suave, meiga. Não estranhes este endereço de email diferente (perdoa a coloquialidade, mas não tenho paciência para mordomias invisíveis). Olá. Boa noite.
Venho retractar-me. Apagar praticamente tudo o que disse antes à pressa, sem olhar para datas. É que caí aqui há dias sem observar com minúcia as tonalidades, ler esses pormenores da cronologia. Hoje, voltei e inspeccionei alguns registos: constatei os hiatos temporais. E, quanto a este poema de A. P., foi aqui posto em 1 de Setembro. Passaram uns tantos dias e noites até agora. Uma ausência, uma intermitência. De repente, senti-me preocupado, sem saber atinar ao certo com a razão. Em parte, sei, porque comecei a especular de mim para mim sobre este exemplo de ausência. E, proventura, apreende em si já todos os significados mais atendíveis da ausência. Consente-me esta apreensão de um desconhecido a que só mesmo o que está por detrás do nome moriana pode dar um sentido a este impreciso, vago comentário sobre a despresentificação da palavra regular, que resta, ainda assim, nessa ausência, como o silêncio de todas as presenças. No dialógo de Platão "Crátilo", a personagem Sócrates diz, referindo-se a uma metodologia, que podemos tomar as palavras (e os nomes) como sendo a realidade que representam para, assim, aos poucos, podermos, desligando-nos delas, atingir a realidade ela mesma,. Embora aqui só interesse a primeira parte, já que os nomes e as palavras são, neste contexto, a realidade mais palpável que cabe; tudo o resto é meia ausência e meia presença, uma construção fantasiosa dos ausentes. Desta maneira, se não levares a mal, ocupei este sítio, por dois instantes, para que, desta maneira, a tua ausência seja entrecortada e não pareça tão longeva.
obrigada pelas tuas palavras, moriana ausenta-se sem desejar fazê-lo, todavia.sem motivo aparente, pelo menos. com muita vontade de voltar e mil pequenos impedimentos. voltei e deixei estas palavras :)
Ainda bem que voltaste. Sem que precises de regressar com pressa, com veemência palavrosa. A minha urgência – desculpa-me a confissão – prendia-se com um cuidado que entre dois passos me deu, sem que consiga explicar-te em duas palavras porquê. Deste sinal de vida. É bastante. De um modo estranho e incompreensível, sinto algum contentamento apaziguado pelas palavras que depuseste, como se entrosasse eu próprio a metamorfose da borboleta e tudo se convulsionasse e revolvesse dentro de uma bonança, que é assim que o mundo fica depois de alguma transformação. Claro que eu sou facundo e, por isso, confino-me a um “olá”, em fecho, nesta linha, como se saudoso.
Ao contrário das ausências, o Natal é o momento das presenças, da existência, símbolo, de alguma maneira, da agremiação. Significa, pelo menos, assinalar figuras e figurações, ainda que indefinida ou incertamente talhadas. E, se não houver comparência num lugar específico – espacial – , que o seja pelo éter, através das ondas hertzianas, que assim, mesmo virtualmente, o mundo existe à nossa volta, como se os ouvidos apurados captassem, no silêncio aparente quase absoluto, o carpir do vento, gritos mudos que arrazoam secretamente que há nascimento todos os dias. Sim, que a Páscoa é ainda distante… E as nuvens, no seu quarteto mórfico em fundo cerúleo, sem entoarem música, acoitam todas as imprecisões da vida, um porto de abrigo invisível que nos acolhe quando queremos estar, por momentos, ausentes. Elevados às nuvens, ali pervagando debaixo do efeito da construção e da dissolvência, pensamos. No fim, as nuvens choram sobre nós, em chuvas variáveis refrescantes, alegres, ou corrossivas, por onde há-de escorrer nelas a existência que se inumará na terra, depondo todos os sigilos do céu. Viemos ao mundo chorando, mas isso não é trágico. Se não chorarmos através das nuvens, não restará a terra engelhada demoradamente, como se o nosso corpo erodisse também cedo, precocemente?
Que tenha sido bom, sereno pelo menos. O Natal. O meu foi, apenas um acidente doméstico e o dedo mínimo da mão direita está imobilizado por uns tempos. Nada grave, incomodativo quand même. Ano não muito angustiante, este em que já estamos. :)
8 comentários:
abraçados entre aduelas de carvalho francês [bjs]
Há ausentes de todos os feitios. Lembrar os ausentes não é um modo de dizer que estão presentes? E esta presença não é apenas mnésica? Ou, nalguns casos, meramente nostálgica? Quando o coração, em vez de insuflar, encolhe, se é que não definha, e as horas se tornam um fardo, uma lenta passagem que, com a habituação, volvem uma espécie de musculada via de sorver o tempo mentalmente, deixando que nos engula progressivamente para a sua espiral, mortificando-nos o corpo, exasperando todos os sentidos exteriores de antanho, adoentando-os até que feneçam totalmente. É também com uma dose estranha de nostalgia - de lembrança - que compareço aqui, agora, ainda que tenha chegado aos trambolhões, acidentalmente. Erraticamente. Sem regresso nem partida. Apenas para saudar um nome - moriana -, um nome que, aparente e amiudamente, gosta de re(a)presentar-se através de outros. O que é curioso, precisamente, é que só episodica ou pontualmente a passagem das horas pode ser mais lenta, já que de crianças até à condição de velhos dá-se precisamente o processo de percepção inverso: quanto mais tempo de existência, memória mais abrangente, metabolismo mais lento e passagem do tempo a grande velocidade. Claro que 'passagem' é quase um eufemismo, porque objectivamente o tempo é praticamente linear, exceto na subjectividade consoante a época da vida. O coração na cova da mão e a a lentidão lembram apenas casos possíveis, particulares, desta modalidade degradativa ou degenerativa dos seres. O vir à ideia em vez de à memória, ademais com ternura, reflecte apenas uma dimensão, entre muitas, que caracterizam o humano, acultuado e prisioneiro do que se averba em si.
Mais dramático é quando os ausentes não voltam nem podem voltar ou quando nós próprios começamos a sentir-nos ausentes de nós mesmos, deixando escapar o que era antes em nós uma presença, uma força, uma satisfação, uma alegria, uma regra de equilíbrio entre o prazer e a dor, que é quando o futuro se desenha fantasmicamente com o sinal das ausências, como o que está em falta mas para continuar, e para ficar, com uma tristeza porventura suave, meiga. Não estranhes este endereço de email diferente (perdoa a coloquialidade, mas não tenho paciência para mordomias invisíveis). Olá. Boa noite.
Venho retractar-me. Apagar praticamente tudo o que disse antes à pressa, sem olhar para datas. É que caí aqui há dias sem observar com minúcia as tonalidades, ler esses pormenores da cronologia. Hoje, voltei e inspeccionei alguns registos: constatei os hiatos temporais. E, quanto a este poema de A. P., foi aqui posto em 1 de Setembro. Passaram uns tantos dias e noites até agora. Uma ausência, uma intermitência. De repente, senti-me preocupado, sem saber atinar ao certo com a razão. Em parte, sei, porque comecei a especular de mim para mim sobre este exemplo de ausência. E, proventura, apreende em si já todos os significados mais atendíveis da ausência. Consente-me esta apreensão de um desconhecido a que só mesmo o que está por detrás do nome moriana pode dar um sentido a este impreciso, vago comentário sobre a despresentificação da palavra regular, que resta, ainda assim, nessa ausência, como o silêncio de todas as presenças. No dialógo de Platão "Crátilo", a personagem Sócrates diz, referindo-se a uma metodologia, que podemos tomar as palavras (e os nomes) como sendo a realidade que representam para, assim, aos poucos, podermos, desligando-nos delas, atingir a realidade ela mesma,. Embora aqui só interesse a primeira parte, já que os nomes e as palavras são, neste contexto, a realidade mais palpável que cabe; tudo o resto é meia ausência e meia presença, uma construção fantasiosa dos ausentes. Desta maneira, se não levares a mal, ocupei este sítio, por dois instantes, para que, desta maneira, a tua ausência seja entrecortada e não pareça tão longeva.
obrigada pelas tuas palavras, moriana ausenta-se sem desejar fazê-lo, todavia.sem motivo aparente, pelo menos. com muita vontade de voltar e mil pequenos impedimentos.
voltei e deixei estas palavras :)
Ainda bem que voltaste. Sem que precises de regressar com pressa, com veemência palavrosa. A minha urgência – desculpa-me a confissão – prendia-se com um cuidado que entre dois passos me deu, sem que consiga explicar-te em duas palavras porquê. Deste sinal de vida. É bastante. De um modo estranho e incompreensível, sinto algum contentamento apaziguado pelas palavras que depuseste, como se entrosasse eu próprio a metamorfose da borboleta e tudo se convulsionasse e revolvesse dentro de uma bonança, que é assim que o mundo fica depois de alguma transformação. Claro que eu sou facundo e, por isso, confino-me a um “olá”, em fecho, nesta linha, como se saudoso.
Fernando
Ao contrário das ausências, o Natal é o momento das presenças, da existência, símbolo, de alguma maneira, da agremiação. Significa, pelo menos, assinalar figuras e figurações, ainda que indefinida ou incertamente talhadas. E, se não houver comparência num lugar específico – espacial – , que o seja pelo éter, através das ondas hertzianas, que assim, mesmo virtualmente, o mundo existe à nossa volta, como se os ouvidos apurados captassem, no silêncio aparente quase absoluto, o carpir do vento, gritos mudos que arrazoam secretamente que há nascimento todos os dias. Sim, que a Páscoa é ainda distante… E as nuvens, no seu quarteto mórfico em fundo cerúleo, sem entoarem música, acoitam todas as imprecisões da vida, um porto de abrigo invisível que nos acolhe quando queremos estar, por momentos, ausentes. Elevados às nuvens, ali pervagando debaixo do efeito da construção e da dissolvência, pensamos. No fim, as nuvens choram sobre nós, em chuvas variáveis refrescantes, alegres, ou corrossivas, por onde há-de escorrer nelas a existência que se inumará na terra, depondo todos os sigilos do céu. Viemos ao mundo chorando, mas isso não é trágico. Se não chorarmos através das nuvens, não restará a terra engelhada demoradamente, como se o nosso corpo erodisse também cedo, precocemente?
Olá. Bom Natal.
Fernando.
Que tenha sido bom, sereno pelo menos. O Natal. O meu foi, apenas um acidente doméstico e o dedo mínimo da mão direita está imobilizado por uns tempos. Nada grave, incomodativo quand même.
Ano não muito angustiante, este em que já estamos.
:)
O estar só, é uma bênção bipartida, uma herança quase maldita nas flores que lembramos. Por isso, esquecemos o tempo, o espaço...
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